Poesias


Soneto da fidelidade


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.





A um passarinho


Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui!
 




Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.
                                        
                                                          Vinícius de Moraes



Amor em paz
Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar

Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz
 

Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.










Nossa dor

 
ágrimas de dor caem do céu
E minhas lembranças de amor
São intensas como a profundidade das almas amaldiçoadas...
Imensas como a solidão das trevas...
Ultrapassam a angústia do anoitecer
A saudade não me faz te esquecer
Ela é minha ilusão que me faz viver...
O choro continua
E não me deixa em paz
Quero fechar meus olhos
Estão cansados...
Derramam rosas vermelhas
Não são pétalas... Apenas o meu sangue
Águas da dor
Da dor que você me causou
Por que me usou tantas vezes?
Por que o gosto excitante do veneno dos seus lábios
Continuam em meu corpo?
Matando-me aos poucos
Pare de chorar céu infeliz!
Não percebe que seu sofrimento é tão pequeno?
E meu tormento se torna infinito...
Sinto falta dos olhos do meu amor
O meu doce relicário...
A minha eterna perdição...
Oh céu severo...! Está pintando furiosamente o vidro da minha janela
O seu pranto de aflição só aumenta as minhas lembranças
O passado repleto de raízes profundas
No qual não consigo arrancar...
Voraz... Do seu toque
Ávido... Do teu corpo
Destruidor... Das suas palavras
Perdoável... Do meu amor
Pobre céu escuro...
A escuridão da minha alma é eterna
Não tente comparar-se...
Até os anjos me abandonaram!
Triste céu fique comigo por toda noite...
E assim dividimos nosso tormento... E as lágrimas!